quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

A Virtude do Perdão

 

                  


   O bom cristão sabe perdoar, porque a caridade deve prevalecer sobre as nossas feridas. Entretanto, nem sempre perdoar é uma atitude fácil. Existem aqueles que vivem dizendo: "Jesus mandou perdoar as pessoas, mas eu não consigo". Há pessoas que afirmam essa frase de forma bem-humorada. Mas, elas ainda não atingiram uma conexão profunda com Jesus Cristo diante da virtude do perdão. 

  Para os olhares mais superficiais, perdoar parece uma tarefa heroica, divina e quase impossível para os seres humanos. Durante boa parte do tempo, a ideia de que "errar é humano e perdoar é divino" afastou o perdão da realidade humana e plausível. 

   Infelizmente, o ser humano está acostumado a viver no pecado, alimentando as suas feridas e mágoas sem almejar construir virtudes nobres dentro de si. Contudo, todo aquele que quer viver com Cristo precisa almejar ser mais virtuoso e nobre. E a nobreza do perdão pode ser mais possível e humana do que pensamos. 

   Vale salientar que somente teremos uma sociedade melhor se cada pessoa trabalhar virtudes dentro de si, pois o mundo muda a partir do interior dos seres humanos. É dever do cristão construir uma vida virtuosa, nobre e pacífica. Não teríamos uma sociedade tão criminosa, vingativa e pecaminosa se soubéssemos cultivar o perdão dentro de cada lar. Não teríamos uma sociedade tão corrompida pelas vícios se fôssemos mais virtuosos. 


           


   Além de virtuoso, o bom cristão deve desejar a santidade. E o primeiro degrau para a santidade está no perdão, pois o rancor é o maior empecilho do ser humano na jornada da santidade. 

   O rancor é o ápice do egoísmo, pois representa o pecado do orgulho. O orgulho é alérgico a qualquer tipo de ofensa. Apenas uma pessoa humilde pode superar as ofensas e oferecer amor e perdão para o próximo. Salienta-se que, no rancor, as nossas feridas viram instrumentos de Satanás. O mal pode entrar em nossa vida através das nossas feridas, pois o rancor abre brechas para sentimentos ruins, tais como: o ódio, a revolta, a inveja, a tristeza e a ira. O mal pode usar as nossas feridas contra nós. É preciso humildade para escapar das armadilhas de um orgulho ofendido e vencer a si mesmo. 

   É o orgulho que gera a revolta diante de uma ofensa. O pecado do orgulho gera outros pecados como um malévolo efeito dominó, especialmente o pecado da ira. Quando o ser humano guarda mágoas de uma ofensa, ele fica contaminado pela tendência pecadora de sentir raiva do outro e alimentar o desejo de vingança. O filósofo Sêneca dizia que a ira é o desejo de devolver a dor. O ser humano tende a querer devolver a dor, porque o orgulho é fraco. 

    Nesse momento de fraqueza humana diante de uma ofensa, Satanás sopra no ouvido do ser humano que ele será "bobo" se não revidar. Mas, não podemos nos esquecer que o Diabo é o pai da mentira e que não seremos bobos se trilharmos o perdão. Quem perdoa é esperto e sábio, pois está ganhando paz, comunhão com Cristo e garantindo a sua salvação. Bobo é aquele que corrompe a sua alma com as angústias da mágoa e da ira.

   Outra mentira inventada por Satanás é a de que o perdão seria fraqueza. Todavia, não existe nada mais forte do que o perdão. A força dos santos estava presente justamente na humildade e na capacidade de perdoar a todos aqueles que tentavam ofender a sua honra. 


            


     É válido repetir que o perdão é o primeiro passo para a santidade. Mas, como aprender a perdoar? Desenvolvendo uma visão profunda da vida, das pessoas e de Deus. Perdoar fica mais fácil quando temos olhos mais profundos e quando passamos a ver as pessoas como Deus vê as suas criaturas. É preciso profundidade na fé e na conexão com Jesus Cristo para desenvolver a capacidade de perdoar dentro de si.

    Quando temos olhos superficiais e ignorantes, vemos a ofensa como algo malévolo que quer derrubar a nossa honra e vemos as nossas feridas como nossas inimigas. Com olhos superficiais, também enxergamos aquele que nos ofende como um inimigo. Entretanto, com olhos mais profundos e sábios, vemos a ofensa como uma provação de humildade, as nossas feridas como caminhos para a santidade e aquele que nos ofende como o professor da nossa santidade. 

    A vida não teria sentido se não tivéssemos feridas emocionais ao longo do caminho. Segundo o poeta persa Rumi, "a ferida é o lugar por onde a luz entra em você". Quando percebemos uma ferida na alma, não devemos ficar rancorosos nem revoltados. A ferida deve ser a porta da graça de Deus e não a porta da mágoa e do pecado. 

    A percepção de uma ferida é um momento intensamente espiritual, pois é um momento de imitar Jesus. A partir de Suas Santas Chagas, Jesus curou as chagas da humanidade. Por que não podemos curar o próximo a partir da sabedoria das nossas feridas? As feridas devem causar sabedoria ao invés de mágoas dentro de nós. Com a sabedoria de nossas vivências, podemos consolar outras pessoas feridas pela vida e, dessa forma, curaremos as nossas próprias feridas de um jeito generoso e santo. 

    A missão de todo cristão é transformar feridas em sabedoria e aumentar o nível de compaixão a partir das experiências ruins. Quem passa por uma situação ruim, ao invés de ficar revoltado, pode aumentar a sua caridade diante de quem passa por situações ruins semelhantes. Podemos curar as feridas dos outros com a nossa sabedoria, criando um círculo santo de cura e libertando a humanidade do círculo vicioso do pecado e da vingança. 


              


    Muitas vezes, aquele que nos ofende é um professor de santidade disfarçado pela vida. Nem sempre quem nos ofende é o inimigo. Diversas vezes, pessoas boas podem ofender as outras em momentos de tensão e desespero. Somente Deus pode julgar uma pessoa. Guardar uma ofensa e julgar uma pessoa é o ápice do egoísmo. É preciso generosidade para ver aquele que nos ofende com os olhos do amor. 

   Precisamos compreender a dor do outro por trás da ofensa e por trás da dor que ele causou em nós. Quem fere o outro, primeiramente, está ferido. Quem tem olhos profundos vê a ferida do outro ao invés de ficar ofendido com ele. É tão nobre e belo retribuir quem nos ofende com uma palavra gentil, lúcida e iluminada. Muitas pessoas acabam revidando com outra ofensa a fim de desconcertar o outro. Mas, revidar pecado com outro pecado não é atitude cristã. O verdadeiro cristão dá o seu amor e a sua lucidez para quem está turbulento e ofensivo. 

   Se você quer realmente "desconcertar" o outro, a melhor forma é retribuir a ofensa dele com lucidez. Você verá como a pessoa ficará surpresa e até envergonhada diante da sua lucidez e paz de espírito, porque provavelmente ela ofendeu você em um momento de turbulência e falta de lucidez. O amor é lúcido e desconcerta o outro positivamente. Você surpreende o outro com atitudes de amor e ainda ajuda uma alma a caminhar na luz. 

   Seria medíocre e esperável retribuir uma ofensa com outra ofensa e cair nas trevas do outro. Deus não quer atitudes medíocres de nós. Deus quer atitudes grandes dos seus filhos, pois nascemos para a magnanimidade do amor. Saber perdoar revela a grandeza e a nobreza da alma. 

      Podemos até mesmo ser amigos de quem nos ofendeu no passado e mostrar a luz do amor para ele. Quem é perdoado no momento de dor nunca se esquece de nós. Quando perdoamos, despertamos o bem no outro. Se o outro tiver uma semente de bem dentro dele, o nosso perdão regará a sua gratidão e o seu amor. Despertamos o núcleo de bondade do outro com o nosso gesto nobre. 

      E, ainda que o outro seja insensível e ingrato diante da nobreza do nosso gesto, Deus recompensará o nosso interior com mais força e paz pela nossa humildade. Não devemos fazer o bem e esperar o reconhecimento, mas sim fazer o bem para desenvolver virtudes dentro de nós e caminhar em direção à santidade. Quem é virtuoso pode não receber reconhecimento, mas certamente está pregando o Evangelho. O silêncio das nossas virtudes evangeliza mais do que os grandes discursos. 

       Podemos até mesmo evangelizar através do perdão. Pregar sobre Cristo com palavras é fácil. O difícil é pregar sobre Cristo com atitudes. Quem ficar surpreendido com a nossa atitude cristã poderá ter mais curiosidade para seguir o caminho Daquele que ordenou o ser humano a perdoar setenta vezes sete vezes, ou seja, infinitamente. 

     Provamos que somos cristãos de verdade quando perdoamos e quando tratamos bem quem nos ofendeu. São Francisco de Assis dizia: "Pregue o Evangelho em todo tempo. Se necessário, use palavras". Ressalta-se que a forma mais grandiosa de demonstrar o Evangelho é através do perdão. 

          O Perdão não é uma simples virtude, mas uma das maiores ordens de Jesus Cristo sobre nós. Na Bíblia (Mateus 18:21-22), vemos que Pedro aproximou-se de Jesus e perguntou: "Senhor, quantas vezes deverei perdoar a meu irmão quando ele pecar contra mim? Até sete vezes?" E Jesus respondeu: "Eu digo a você: Não até sete, mas até setenta vezes sete". 


             


              Talvez Pedro pensasse que receberia um elogio de Jesus, assim como um aluno recebe elogio do professor ao dizer a resposta certa. Ele imaginou que  perdoar sete vezes era uma resposta grandiosa, mas Jesus mostrou a Ele um caminho ainda mais glorioso e verdadeiro: o caminho do perdão infinito. Setenta vezes sete é uma metáfora para a infinidade do verdadeiro perdão dentro do cristianismo. 

            Para os olhares superficiais, o perdão pleno e infinito pode parecer impossível. Porém, quem tem olhos mais profundos sabe ver que a verdade mora no caminho do perdão. 

               Provavelmente, a resposta de Jesus "desconcertou" Pedro, assim como a grandeza do perdão costuma desconcertar os seres humanos. Mas, seguir o cristianismo é ser surpreendido pelo poder da virtude a todo instante. 

               De certa forma, o perdão também está contido no amor aos "inimigos". Na Bíblia, vemos que Jesus disse o seguinte (Mateus 5:43-44): "Vocês ouviram o que foi dito: Ame o seu próximo e odeie o seu inimigo. Mas eu digo: Amem os seus inimigos e orem por aqueles que os perseguem." 

              Não é possível amar o inimigo se não soubermos perdoá-lo. Amar quem é bom sempre foi mais fácil. Provamos o cristianismo ao amar as pessoas difíceis, ofensivas e aparentemente "inimigas". Não existe amor perfeito sem perdão, assim como não há santidade perfeita sem perdão. Não existe santidade com rancor. Mágoa não combina com o caminho da santidade. Salienta-se que a mágoa, além de prejudicar a nossa saúde espiritual, prejudica a nossa saúde física e mental. 

          O rancor não deixa a vida fluir e impede a chegada de novas oportunidades e das graças de Deus em nossas vidas. A maioria das pessoas que reclama de falta de "sorte" na vida acabou bloqueando a sua vida com mágoas e reclamações sem perceber. A vida é mais graciosa, leve e amorosa com o perdão.

          Ainda que você pense que o outro não merece o seu perdão, saiba que Deus merece ver um filho perdoando o outro. Jesus merece ver o seu esforço em perdoar "setenta vezes sete vezes". Quando perdoar alguém, é interessante pensar que você está alegrando Jesus. Repita a si mesmo quando a mágoa tentar invadir o seu coração: "Jesus, por Ti, eu quero aprender a perdoar." 


            


             Dizer que o perdão é uma virtude exigente demais e que você não é perfeito para perdoar não é mais uma desculpa. Quem perdoa absolutamente é Deus, mas Ele ensinou aos seus filhos o dever do perdão através de Jesus Cristo. E nós devemos ser perfeitos como nosso Pai é perfeito. Lembre-se desse trecho da Bíblia (Mateus 5:48): "Sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai que está nos céus."

               Se a mágoa está deixando o seu coração impuro, imperfeito e frágil, saiba que ela pode corromper a sua jornada em direção à santidade. Então, decida abrir mão da mágoa hoje mesmo. Por amor a Jesus, devemos saber perdoar os nossos irmãos. 

               Após aprender a perdoar, você verá que quem ofendeu a você não sabia do que estava fazendo. Na Bíblia (Lucas 23:24), vemos o que Jesus, ao experimentar o sofrimento, disse: "Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem". Quem está no escuro não enxerga a luz do amor. Mas quem enxerga a luz do amor deve saber superar o sofrimento e perdoar, porque o amor tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta (Coríntios 13:7). 


Texto escrito por: Tatyana Casarino. Especialista em Direito Constitucional, Advogada, escritora e poetisa. 

            

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